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Por que nosso cérebro é tão grande?


Os animais de nossa ordem, os primatas, são dotados de um cérebro grande, especialmente no caso dos primatas antropóides (que são mais semelhantes ao homem), que são um ponto fora da linha, se analisarmos a relação entre peso total do corpo e peso do cérebro. Veja no gráfico a seguir, alguns primatas, como nós e os chimpanzés, possuem um cérebro desproporcionalmente grande, note também que alguns não-primatas, como os golfinhos, também tem um cérebro relativamente grande.


  Roth & Dike, 2005 - A linha reta representa o tamanho cerebral esperado (Y) para o peso corporal (X). Note que animais como os chimpanzés e humanos estão acima da linha, ou seja, tem um cérebro desproporcionalmente grande em relação ao peso corporal.


Mas a que se deve esse aumento no tamanho cerebral dos primatas, e principalmente, dos primatas antropóides? Os estudos iniciais na área sugerem que o aumento do cérebro primata se deve à fatores ecológicos como a dieta. Isto é condizente com estudos recentes que elencam o processamento de alimentos (cozimento) como peça chave no aumento do cérebro dos hominídeos, já que ao cozinhar alimentos, como por exemplo carnes, estamos disponibilizando muito mais nutrientes quando comparamos com carne crua. Outras teorias, como a do “cérebro social”, dão maior ênfase a fatores sociais e de relacionamentos para explicar a evolução do cérebro primata, o que também faz sentido, já que manter grupos maiores e mais complexos é algo que requer capacidades cognitivas mais “afiadas”. 

Ainda há muita discussão na área, e os resultados dos estudos são controversos. Alguns resultados mostram que os primatas mais sociáveis têm cérebros maiores, outros apontam para a dieta como fator predominante. Porém, estudar “sociologia animal” pode ser um desafio, já que mensurar o grau de sociabilização de um grupo requer análises subjetivas, além do fato de que a filogenia dos primatas vem sendo atualizada nos últimos anos e grande parte dos estudos mais antigos trazem considerações filogenéticas que, hoje, são consideradas ultrapassadas.

No mês passado, num artigo publicado na revista Nature Ecology & Evolution, pesquisadores do departamento de Antropologia da New York University tentaram elucidar essas questões, fazendo um estudo sistemático com diversos primatas. Foram levantados aspectos sociais, como tamanho de grupo, sistema de acasalamento, dieta e história evolutiva, para tentar correlacionar esses dados com a variação no tamanho do cérebro de mais de 140 espécies. Segundo os autores, esse número de espécies consiste num grupo amostral três vezes maior do que de qualquer estudo anterior.

Outra abordagem interessante desse estudo é a utilização de medidas do cérebro todo. Muitos trabalhos optam por utilizar apenas medidas do “neocortex” (região mais frontal e externa do córtex cerebral, mais recente em termos evolutivos), porém a análise exclusiva desta região restringe a análise de dados, pois para a maioria dos primatas, o tamanho dessa região é desconhecido. Ao usar o cérebro todo na análise, pode-se comparar um número maior de espécies. Um detalhe interessante é o fato de que normalmente quem é responsável pela das “funções executivas” é   o neocortex, mas muitas regiões não corticais, tais como o hipocampo, o estriado e o cerebelo estão fortemente atrelados a funções executivas como memória e atenção, por exemplo.

Realizando análises estatísticas e comparando todas essas espécies, no que diz respeito a tamanho de cérebro, os autores concluíram que o único fator que serve para explicar esse aumento exuberante no tamanho cerebral é a dieta. Comparando o grau de sociabilidade das diferentes espécies, não foram encontrados resultados que apoiassem a teoria do cérebro social e seu respectivo aumento de tamanho, já que existem diversos grupos altamente sociais com cérebro pequeno e muitos pouco sociáveis mas de cérebro grande. Além da dieta, é óbvio que o tamanho corporal é algo que afeta o tamanho cerebral, porém quando comparamos dois macacos de mesmo tamanho corporal, aqueles com dietas mais ricas possuem cérebros maiores. É interessante notar que o estudo apontou dietas frugívoras como capazes de suportar cérebros maiores, em oposição às dietas folívoras, ou seja, não é só uma questão do cozinhar alimentos e/ou comer carne.

Outro fato importante, é que para seguir dietas frugívoras ou carnívoras que tenham um custo-benefício energético mais favorável, é necessário um cérebro detentor de habilidades cognitivas complexas, para buscar, guardar e armazenar alimentos. Assim as dietas mais nutritivas geram uma força seletiva favorecendo indivíduos mais capacitados cognitivamente. Essa maior disponibilidade nutricional, por sua vez, permite um aumento desenvolvimento cerebral na fase fetal, o que consequentemente facilita o estabelecimento de dietas mais favoráveis nas gerações subsequentes gerando uma força evolutiva para um cérebro cada vez maior. Ou seja, quanto melhor a dieta, mais o cérebro cresce, e quanto mais o cérebro cresce, melhor fica a dieta.

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