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Ideonella sakaiensis: Uma bactéria aliada para combater o lixo plástico

Por: Lucas Garbo

Uma de muitas paisagens que encontramos nos dias de hoje | Autor desconhecido.

Todos nós já nos deparamos alguma vez na vida com uma campanha anti-resíduos. O problema do lixo plástico, em especial, é um dos que mais recebe atenção pelos conservacionistas. A produção deste material data de 1907, mas foi apenas em meados de 1950 que a comunidade científica compreendeu que esse era um dos grandes inimigos do meio ambiente. Entre 1950 e 2015, estima-se que a geração desse tipo de resíduo tenha aumentado 200 vezes.

Existem diferentes tipos de plástico, e o tempo de decomposição varia entre eles, mas todos eles possuem, no mínimo, 100 anos para serem totalmente reciclados do ambiente. Isso acaba gerando uma problemática ambiental gigantesca, fazendo com que cientistas no mundo inteiro busquem soluções alternativas para essa questão. 

O politereftalato de etileno (ou PET, para os mais íntimos), é utilizado para servir bebidas, na maioria das vezes, sejam elas refrigerantes ou sucos. Por esse fato, é um dos tipos de plástico que mais gera resíduo. De acordo com o jornal britânico The Guardian (matéria disponível aqui), 20.000 garrafas PET são produzidas por segundo. E fica pior. De todas essas garrafas sendo produzidas, menos da metade é destinado para a reciclagem, e dessas que vão, apenas 7% são transformadas em novas garrafas. 

Para onde vai todo esse lixo então? Estima-se que todo ano, entre 5 e 13 milhões de toneladas entram pelas comportas do oceano. Grande parte dessa poluição é ingerida pelos seres marinhos. Já existem alguns estudos que dizem que já estamos comendo plástico indiretamente, provindo da carne de peixes e outros seres marinhos. Uma pesquisa feita pela Fundação Ellen MacArthur estima que em 2050 o peso de plástico do oceano irá se igualar ao dos peixes (caso queira ler mais sobre, basta clicar neste link). De fato estamos diante de uma problemática gigantesca. 

Aumento da produção anual global (em bilhões de toneladas) ao longo do tempo |  OurWorldinData (disponível em https://ourworldindata.org/plastic-pollution).

Mas agora o ser humano possui um aliado inusitado na reciclagem/na degradação de lixo plástico: a bactéria Ideonella sakaiensis. Cientistas japoneses descobriram essa nova espécie de microrganismo, encontrada em uma usina de degradação de garrafas PET, na cidade de Sakai, Japão (artigo disponível aqui). De acordo com a publicação realizada pelo grupo de pesquisa, foram coletadas 250 amostras de sedimento, água e lodo provindos de uma fábrica de reciclagem PET. Esses substratos foram colocados em meios de culturas a onde a única fonte de alimento era o carbono advindo de uma fina camada de PET. Com isso, sobreviveram apenas as bactérias que conseguiam degradar e metabolizar o plástico. Essas bactérias foram então isoladas das demais e caracterizadas, até se descrever a nova espécie.

Foto de microscopia eletrônica da bactéria. Observe os prolongamentos comunicantes que elas possuem |  Fonte: Grupo de pesquisa que descobriu a nova espécie.

Mas não para por aí. Os cientistas encontraram a molécula responsável pelo milagre: a enzima denominada ISF6_4831. Ela foi colocada em comparação com outras enzimas capazes de degradar polímeros (longas cadeias moleculares de carbono, entre eles se encontra o plástico). Após esse experimento, viu-se que a ISF6_4831 era incrivelmente específica e era boa apenas na degradação do PET. Isso mostra que é possível utilizar o microrganismo (ou a enzima diretamente) para reciclar e degradar garrafas desse material.

Esse tipo de pesquisa é muito interessante pois mostra que muitas vezes alguns problemas da sociedade conseguem ser diminuídos com o uso da incrível ferramenta humana denominada ciência. Grande parte da problemática do lixo plástico PET poderia ser mitigado com o uso de uma bactéria encontrada em uma usina de reciclagem no Japão. É claro que isso ainda é uma utopia, mas na medida do possível, é algo que podemos e devemos tentar atingir. É por essa e outras razões, que entende-se a necessidade de continuar com investimentos na ciência. Afinal, parece ser a melhor maneira para que a sociedade humana possa se desenvolver sustentavelmente. 

Referências

RITCHIE, Hannah; ROSER, Max. Plastic Pollution. 2018. Disponível em: <https://ourworldindata.org/plastic-pollution>

YOSHIDA, Shosuke et al. A bacterium that degrades and assimilates poly (ethylene terephthalate). Science, [s.l.], v. 351, n. 6278, p.1196-1199, 10 mar. 2016. American Association for the Advancement of Science (AAAS)

TANASUPAWAT, Somboon et al. Ideonella sakaiensis sp. nov., isolated from a microbial consortium that degrades poly(ethylene terephthalate). International Journal Of Systematic And Evolutionary Microbiology, [s.l.], v. 66, n. 8, p.2813-2818, 1 ago. 2016. Microbiology Society. http://dx.doi.org/10.1099/ijsem.0.001058.


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