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Você já ouviu falar em computação biológica?




Computação é um termo com um significado bem mais abrangente do que se imagina. Vai além de computadores, fios e circuitos eletrônicos com transistores. A computação é um processo universal, que ocorre, inclusive, em redes biológicas. Por exemplo, podemos imaginar um neurônio que recebe diversos “inputs”, e irá gerar um “output” específico após um evento de computação, onde o neurônio de alguma maneira integra todos os inputs e seu peso relativo e gera um output. No caso da maioria dos neurônios, que têm comportamento binário, ou seja, seu output sempre será 0 ou 1, já que a partir de um certo limiar, os neurônios sempre irão “disparar” emitindo potenciais de ação. Imagine o output como sendo 1 e, abaixo deste limiar, o output é sempre 0, ou seja, o neurônio dispara ou não dispara,  sem a possibilidade intermediária de um disparo menos intenso.
            É interessante a convergência entre esse padrão de processamento desenvolvido ao longo das eras pelos cérebros animais, e o que ocorreu com a eletrônica, já que os transistores do seu computador e diversos outros sistemas utilizam um mecanismo lógico semelhante para integrar sinais e gerar respostas, já que também possuem a capacidade de integrar diversos inputs gerando um output binário. Uma pergunta pertinente é: como que células e outros sistemas biológicos têm capacidade de processar informação? Esta pergunta é recorrente nas neurociências, computação e outras áreas de estudo integrativo desde a década de 50, com os trabalhos clássicos de von Neumann.
            Um trabalho de revisão publicado na revista Neuron pela pesquisadora Tatyana O. Sharpee (http://dx.doi.org/10.1016/j.neuron.2016.11.042) no início de dezembro ajuda a elucidar a discussão e levanta questionamentos importantes a respeito do tema. Um ponto chave da discussão é o fato de que as “unidades de processamento” biológicas (neste caso, células) são limitadas por fatores bioquímicos e metabólicos, e ao mesmo tempo usam os valores das concentrações de determinadas moléculas ou íons como “inputs” nos sistemas celulares de processamento.
Por exemplo, o nível de concentração de AMP cíclico num neurônio modula a voltagem da célula. Assim, um metabólito gerado por diversas rotas bioquímicas limita e, ao mesmo tempo, é usado no processamento de informação nos neurônios. Como os nossos organismos conseguem ter sensores e mecanismos efetores ajustados para manter os níveis desses componentes em todas as células de um circuito, permitindo uma computação adequada, ainda é uma questão em aberto.
            Algumas corolárias (deduções imediatas de uma constatação) são explanadas a seguir. Primeiramente, deve-se ter em mente que ajustar os níveis de uma molécula de importância para o processamento de informação em apenas um componente do sistema não assegura nada, já que é necessário um balanço entre diversos elementos para que esses funcionem em conjunto. Outro tópico que emerge é ligado a perturbações caóticas às quais qualquer sistema complexo está sujeito - ruídos. E quando há ruídos no sistema, pode haver perda de controle e informação. Porém muitas vezes, nos organismos vivos, os ruídos acabam sendo abafados por outros ruídos, pois são sistemas que durante toda a evolução estiveram em contato direto com esse tipo de perturbação, assim, muitos ruídos, para os sistemas biológicos, não são um problema muito grave.
            Para estudar o processamento de informação por sistemas biológicos, os cientistas precisam criar modelos computacionais capazes de incluir esses fatores complexos em suas contas, gerando modelos que sejam realistas, porém de fácil manuseio, o que não é uma tarefa nada simples. Faz pouco tempo que os “biólogos computacionais”, por assim dizer, estão conseguindo integrar informações a respeito de tipo e forma celular de neurônios em conjunto com teorias de computação para obter modelos acurados de processamento visual, por exemplo. Um problema atual na área é a modelagem de neurônios com um balanço heterogêneo de inputs, ou seja, com uma taxa diferencial de conexões inibitórias e excitatórias. Isso ocorre devido a ruídos que emergem com esse aumento de complexidade. Assim, a maioria dos modelos de redes neurais perde a validade quando a conectividade da rede simula o comportamento real de um sistema nervoso.
            No mês passado, um trabalho de Landau e colaboradores, também publicado na revista Neuron (http://dx.doi.org/10.1016/j.neuron.2016.10.027), conseguiu integrar de maneira pioneira a influência da heterogeneidade estrutural no balanço de conexões inibitórias e excitatórias. Os pesquisadores fizeram isso para criar modelos realistas do funcionamento do córtex cerebral, que podem ser futuramente utilizados na pesquisa neurocientífica. Esse tipo de trabalho é essencial, pois assim, futuramente, poderemos, reduzir enormemente o número de experimentos e animais utilizados nos laboratórios de pesquisa, já que estamos chegando mais perto de criar modelos realistas que podem simular a computação que ocorre no cérebro.

Diagrama ilustrando a intrincada rede de interações que permite que uma rede neural artificial de múltiplas camadas processe informações complexas.





Essa área de estudo possui muitas aplicações, que vão desde a modelagem de redes biológicas até a solução de problemas de engenharia e computação, sendo que as redes neurais artificiais são fundamentais para processos de reconhecimento de faces, como o que ocorre em fotos do Facebook, impressões digitais, e muitos outros sistemas de detecção de padrões que necessitam de aprendizado prévio para funcionar adequadamente. Afinal de contas para que criar um sistema de processamento inteiramente novo, se a evolução já fez isso há muito tempo? O caminho atual dessa instigante área da ciência é totalmente integrado: podemos usar sistemas biológicos como planta para computadores, e esses computadores para gerar simulações confiáveis de sistemas biológicos.

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