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Por que nós envelhecemos?

Nem mesmo lendários cavaleiros Jedi conseguiram evitar a chegada da terceira idade | The Walt Disney Company

O ser humano nasce, cresce, se reproduz, envelhece e morre. Não é exagero afirmar que qualquer pessoa no mundo já pensou ou escutou essa frase alguma vez na vida, de uma forma ou de outra. É praticamente uma verdade incontestável para a grande maioria das pessoas que a terceira idade chegará para todos que viverem o bastante para alcançá-la e que, após os anos de velhice, todos nós morreremos algum dia. Afinal, nunca se observou, em toda a história da humanidade, ser humano algum que – não tendo adquirido alguma doença, sido devorado por um predador ou sofrido qualquer outro acidente – não tivesse envelhecido e morrido. 

Mas, por acaso, você alguma vez já se perguntou por que nós e outros organismos vivos envelhecemos? Por que, afinal, a nossa vida necessitaria ser assim? Mais especificamente, quais seriam os processos biológicos que nos levariam a envelhecer com o passar do tempo? A Natureza tem muito a nos dizer sobre esses questionamentos e, apesar de ainda não possuirmos uma resposta clara e definitiva sobre esse assunto, a pesquisa científica na área de envelhecimento vem avançando a grandes passos nas últimas décadas, contribuindo muito para a nossa melhor compreensão sobre esse processo tão complexo e ao mesmo tempo tão comum à vida de todos nós.

Afinal, o que é o envelhecimento? Bem, lembre que não somos denominados como organismos pluricelulares à toa. Nossos corpos são compostos por trilhões de células dos mais variados tipos, tamanhos, formas e funções que se unem e se comunicam formando diferentes tecidos e órgãos, e todas estas diferentes estruturas devem interagir entre si e trabalhar conjuntamente para garantir o correto funcionamento dos processos fundamentais à manutenção da vida. Agora, você pode facilmente imaginar o que acontece quando alguma dessas partes deixa de cumprir seu papel no organismo com eficiência: coisas começam a dar errado. Muito errado, diga-se de passagem! E quanto mais problemas surgem no funcionamento de nossos organismos, maior a tendência destes influenciarem o surgimento de novos problemas.

Portanto, podemos entender o envelhecimento como uma perda progressiva, associada com o avanço da idade, das estruturas e capacidades funcionais de um organismo¹. Com a progressão do envelhecimento, nossas células vão deixando de executar seu metabolismo e se comunicar umas com as outras eficientemente, nossos tecidos vão perdendo sua integridade, renovação e função, e diversos órgãos em nossos corpos começam a deteriorar e falhar. Todos esses fatores contribuem para a manifestação das características mais comumente associadas com o envelhecimento: enrugamento da pele, fraqueza nos ossos e nos músculos, perda de memórias, inflamações, sistema autoimune debilitado, maior susceptibilidade a infecções, diminuição da capacidade reprodutiva, entre muitas outras. No geral, o envelhecimento diminui a capacidade do organismo de se adaptar a situações de estresse interno e externo e de manter os mecanismos que regulam a sua fisiologia estáveis, tornando-o mais vulnerável à morte. Essa deterioração acumulada com a progressão do envelhecimento pode ser considerada como o maior fator de risco para o desenvolvimento de grandes doenças que afetam a humanidade: o câncer, a diabetes e doenças cardiovasculares e neurodegenerativas. Por estes motivos, diversos cientistas estão estudando quais poderiam ser as possíveis causas do envelhecimento, na tentativa de reduzir os efeitos prejudiciais deste.

Você sabia que nossas células e as células de outros organismos pluricelulares como nós possuem uma espécie de data de validade inerente? Isso mesmo! Nossas células estão programadas para atingir a velhice, o que, no idioma das células, significa parar de crescer, de replicar seu material genético e de sofrer divisões celulares para gerar novas células-filhas, sofrendo uma grande redução na sua função, um estado que podemos denominar de senescência celular. Mas o que gera essa senescência celular programada? O DNA presente nas células de seu corpo apresenta, em suas pontas, regiões chamadas de telômeros, cuja principal função é proteger as regiões mais internas do DNA de danos causados por proteínas que degradam a ponta de moléculas de DNA não protegidas. Você pode pensar nos telômeros como se fossem as pontas de plástico que protegem os cadarços de seus sapatos.

As regiões das extremidades do DNA conhecidas como telômeros | autoria desconhecida

O problema é que, a cada divisão celular, suas células vão perdendo um pouco dessas pontas protetoras devido à maneira como a replicação do DNA funciona e, após um certo número de divisões, essa degradação pode atingir as regiões mais internas do DNA, que contêm genes e outras sequências importantes, levando à ativação de vias dentro das células que respondem a esses danos e as fazem entrar no estado de senescência. Existe, contudo, uma proteína em nossas células, chamada telomerase, que é capaz de fazer a replicação dessas pontas do DNA. A telomerase é encontrada em grandes níveis em células embrionárias, que obviamente precisam se dividir muitas vezes, mas a expressão da telomerase nas células diminui bastante e se torna quase nula à medida que os tecidos adultos vão sendo formados.


Esquema demonstrando o encurtamento dos telômeros a cada divisão celular | autoria desconhecida


Mas então, poderíamos injetar telomerase em nossos corpos e viver para sempre? Bem, acontece que não é tão simples assim. Existe um grupo de células em nossos organismos que se dividem sem limites e expressam a telomerase em altos níveis: células cancerosas. Portanto, é um grande desafio para os cientistas, atualmente, desvendar métodos terapêuticos que preservem o comprimento dos telômeros em nossas células sem desencadear processos que levem ao câncer. Além disso, o encurtamento dos telômeros pode ser um importante fator que contribui para a progressão do envelhecimento, mas definitivamente não é o único. Fique atento às próximas publicações do Sporum para acompanhar a sequência deste texto e descobrir o que mais entendemos atualmente em relação às possíveis causas do envelhecimento!  





Referências:
¹ Aires, Margarida de Mello. Fisiologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015.

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