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Até onde vai a Engenharia Genética? A revolução da CRISPR-Cas9

Por: Pedro B. Marconi

 Os produtos ou seres orgânicos em que a mão da engenharia genética tocou já estão em todo lugar ao nosso redor e mesmo que você não saiba é inevitável não conviver com eles. Por milhares de anos nós temos usado engenharia genética em nosso benefício). Como na seleção artificial, em que fortalecemos traços úteis (para nós) de plantas e animais, é assim que são criadas frutas mais gostosas e também as várias raças de cachorros cada vez mais ‘’fofos’’ (e também com mais problemas de saúde). Somos muito bons nessa técnica, mas só descobrimos como ela funcionava de verdade com a descoberta do DNA (ácido desoxirribonucleico). Foi logo após conhecermos melhor essa molécula (meados da década de 60) que os seres humanos já tentaram manipulá-la. Inicialmente com radiação para causar mutações aleatórias e depois com material genético de bactérias inseridos em microrganismos, plantas e animais. Os animais geneticamente modificados mais antigos nasceram em 1974, fazendo de ratos uma ferramenta padrão para pesquisa, salvando milhões de vidas humanas e de outros animais já que, alguns produtos químicos (que também foram criados pela engenharia genética) como coagulantes para hemofílicos, hormônios de crescimento e insulina antigamente eram retirados de órgãos de animais, causando dor e sofrimento para os mesmos.

Tá mas o que é o tal do CRISPR?  E o que tem a ver? A sigla significa “Clustered Regurlarly Interspaced Short Palindromic Repeats” ou “Pequenas Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas”.  Ele é a mais recente inovação na edição de genes da humanidade. Antes a edição era complicada e demorava muito, porém, com o aparecimento do CRISPR, da noite para o dia os custos da engenharia genética diminuíram em 99% e em vez de um ano para ser concluído as pesquisas, agora demora apenas algumas semanas para conduzir experimentos nessa área. 
A ideia foi retirada de uma estratégia de defesa de bactérias contra vírus bacteriófagos, onde, após um ataque viral, elas “salvam” parte do DNA do vírus no seu próprio material genético num arquivo chamado CRISPR. Aqui ele é armazenado até ser necessário, e quando os vírus atacam novamente, a bactéria rapidamente faz uma cópia de RNA daquele arquivo de DNA e ativa uma arma secreta, uma proteína chamada Cas9, que é como uma tesoura com um GPS embutido. Assim, essa proteína escaneia o interior da bactéria por sinais de vírus invasores comparando cada pedaço de DNA viral até achar uma amostra no arquivo CRISPR e quando ela acha um com 100% de correspondência ao inicial ela corta o dna do vírus ao meio, tornando-o inútil e assim protegendo a bactéria contra o ataque. O arquivo e a proteína geralmente trabalham juntos, um indicando o caminho e outro procurando o alvo e executando a ação. Apesar de o simples corte da dupla fita de nucleotídeos já ter várias aplicações, principalmente para o tratamento de doenças virais, muito mais pode ser feito com essa técnica. Cientistas têm modificado a Cas9 para que, após achar a sequência, pare e bloqueie a leitura dos nucleotídeos naquele ponto do DNA, ou seja inibindo um gene. Após isso, ainda pode ser acoplado à Cas9 uma enzima de ativação de proteínas leitoras de DNA, liberando novamente o gene e portanto fazendo um sistema de liga e desliga dos nossos genes. Mas, apesar da revolução que CRISPR é para a ciência, ela ainda é uma ferramenta de primeira geração. Ferramentas mais precisas já estão sendo criadas e usadas enquanto você lê esse texto.

Modelo 3D da Cas9 fazendo a quebra de material genético. Fonte: http://www.nature.com/news/crispr-1.17547
Isso vai nos trazer benefícios? Como já dito antes, muito das nossas vidas já inclui engenharia genética, se você um dia precisar tomar insulina, vai estar usando de um produto vindo de microrganismos geneticamente modificados, e muito do que essa nova ferramenta apresentada vai fazer é apenas acelerar bastante o que já se tem feito na edição de genes. CRISPR tem o potencial para se tornar uma força importante na ecologia e conservação, especialmente quando combinada com outras ferramentas de biologia molecular. Pode, por exemplo, na criação de genes que atrasem disseminação de espécies invasoras como ervas daninhas. Pesquisas em evolução já foram realizadas, um pesquisador brasileiro descobriu o gene responsável pela perda de patas em répteis como serpentes. A utilização do CRISPR-Cas9 pode significar o fim de muitas doenças. Em testes feitos em 2015 com ratos infectados com HIV, apenas a adição da sequência correta de CRISPR neles conseguiu eliminar até 50% do vírus em suas células de todo o corpo. Assim, a AIDS e outras doenças como herpes podem até ser erradicadas.  Talvez possamos, no futuro, curar doenças genéticas, pois, mais de 3 mil delas são causadas por apenas um nucleotídeo (letra do DNA) errado. Nesse sentido já está sendo sintetizada uma versão de cas9 modificada que é feita para mudar apenas uma única letra, curando a doença da célula. Até o câncer pode ter seu fim, ao mudarmos e incrementarmos o poder de nossas células imunitárias. Em agosto de 2016 cientistas chineses começaram a tratar pacientes de câncer de pulmão com células imunológicas modificadas pelo CRISPR.
Até onde seu potencial pode chegar? Muitos teorizam futuros atualmente utópicos para a humanidade com o avanço da tecnologia CRISPR. Tudo começa com a controversa edição genética de humanos buscando melhorar seus traços e características. Teoricamente seria possível selecionar o que considerarmos melhores características fazendo a inclusão de sequências de DNA que levarão a tais características em nosso material genético e então propagar esse DNA modificado pelas linhas sucessórias da população, ou seja, com CRISPR o aprimoramento genético em humanos seria muito facilitado. Se até doenças como Alzheimer e fibrose cística poderão ser curadas muitos podem pensar em ter um metabolismo perfeito, um ótimo condicionamento físico e super inteligências aos seus filhos. Em 2015 e 2016, cientistas fizeram experiências com embriões humanos e foram parcialmente bem sucedidos. Os primeiros macacos modificados já nasceram e todas as pesquisas avançam a passos largos. Grandes mudanças são feitas como resultado de decisões de milhões de pessoas que se acumulam, isso é uma ladeira escorregadia, humanos modificados podem tornar-se o novo normal, mas enquanto a engenharia melhora e nosso conhecimento aumenta poderíamos nós resolver o único grande fator “natural” de risco da mortalidade: o envelhecimento? Existem genes que afetam diretamente o envelhecimento, uma combinação de engenharia genética e outra terapia poderia parar ou retardar o envelhecimento, talvez até mesmo revertê-lo. Talvez podemos pegar emprestados alguns genes de animais que sabemos ser imunes ao envelhecimento (Turritopsis nutricola).

Porém, antes de fazer tantas mudanças, é importante parar para pensar. Questões éticas muito relevantes vêm sendo levantadas tais como: ter em conta o princípio de não-maleficência na avaliação de risco, edição de genoma em linha germinal, questões de segurança para evitar danos ecológicos ou possíveis uso da técnica para o aprimoramento genético e eugenia.
A edição de genes pode alcançar o resultado pretendido mas também pode acidentalmente desencadear mutações aleatórias. Nós simplesmente não sabemos o suficiente sobre a interação complexa dos genes para evitar essas consequências imprevisíveis. Trabalhar para melhorar a eficiência é a maior preocupação nos primeiros testes. Portanto, regulações precisam acontecer para conter os ânimos dos mal intencionados, o que inclui, inclusive, governos ditatoriais que poderiam usar essas tecnologias como armas de guerra (vírus incuráveis e super soldados), porém não se pode cortar demais os braços da engenharia genética a ponto de baní-la ou impedir drasticamente seu avanço. É preciso estar bem atento aos reais riscos e nas reais possibilidades da edição genética humana. O futuro poderá ser muito promissor com ela pois, como dito antes, novas visões sobre antigas questões sempre surgem conforme a história se passa.

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