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Coprólitos: quando cocô se torna importante


Paleontologia é um tipo de estudo que com o passar dos anos se mostra cada vez mais popular. Isso porque alguns anos atrás eram poucas pessoas que sabiam do que se tratava e da sua importância. Mas, hoje em dia sabe-se mais dessa ciência já que não é mais restrita aos cientistas e universidades, quase todo mundo se interessa em saber a história da Terra e da vida que há ou que já esteve aqui.

Diferente do que muitos pensam, a paleontologia não se restringe apenas ao estudo dos fósseis, o que restou de seres vivos ou evidências de suas atividades na Terra preservadas em diversos tipos de materiais, isso seria ver uma parte muito redutora e limitante dessa ciência. É com base nos fósseis que a paleontologia procura também estudar outros aspectos, como a vida e seu desenvolvimento ao longo do tempo geológico, aliado à geologia (estudo da estrutura, propriedades físicas e composição do planeta) da Terra.

Então, leitor, é aí que você me pergunta: o que tudo isso tem a ver com cocô?

Como dito anteriormente, uma das principais formas de estudo dos paleontólogos são os fósseis, e eles podem aparecer de diversas formas: ossos, caules, conchas, ovos, pegadas e… vejam só, fezes fossilizadas, os coprólitos!

Os coprólitos são estudados desde o século XIX, mais como curiosidade científica do que qualquer outra coisa, e só na década de 90 que começou a se utilizar estes “materiais” como uma importante informação dos seres vivos que habitaram esse planeta.
Figura 3: Fezes fossilizadas

A análise dos coprólitos pode revelar informação como padrões de dieta, paleoclimas, adaptações paleoecológicas, entre outras, além dos próprios resíduos orgânicos aderidos a essas fezes, como fibras, grãos, fragmentos diversos, pólen, evidências de parasitas nas fezes… tudo isso vai, claramente, permitir inferências sobre os donos desses dejetos, como inferir se eram carnívoros, herbívoros ou onívoros, pela presença ou não de ossos, escamas, vegetais, assim como assinaturas químicas: concentração de elementos como carbonato de cálcio, fosfato de cálcio, apatita… animais carnívoros, por exemplo, têm fezes mais ricas em cálcio (veja a imagem 2).          
Analisar ainda mais a fundo permite descobertas mais espetaculares: alguns coprólitos encontrados que datam do Pleisto-holoceno (alguns bons milhares de anos atrás) mostraram grande quantidade de fragmentos de DNA preservados, o que foi uma gigantesca fonte de informação da dieta e do genoma de carnívoros pleistocênicos.
Figura 4: Coprólitos de dinossauros herbívoros e inclusões de caramujos fósseis. Em A podemos observar um pedaço de coprólito em grande parte composto de fragmentos de madeira de coníferas.

Mas, você tem ideia de como esse material fossiliza? Parece meio difícil né?

Na verdade, é relativamente fácil o coprólito existir por algumas razões:

  1. Eles são produzidos em grande quantidade, afinal, imagine quantas vezes os animais fazem cocô durante toda a sua vida! Já os ossos são apenas uma porção que são deixados quando os animais morrem, sendo assim, sob essa perspectiva, parece ser mais fácil encontrar um coprólito.  
  2. As fezes possuem rápida dessecação e/ou lenta mineralização. É só pensar em quantas vezes você chutou cocô de cachorro na rua... Se esse elemento orgânico muito dessecado for soterrado, pode – em muito, muito tempo – virar um fóssil!
  3. Alguns coprólitos são ricos em cálcio e isso contribui para sua preservação, já que o endurece, tornando-o mais resistente. Além disso, alguns aspectos químicos podem ajudar na fossilização: o muco que recobre as fezes pode ajudar e formar uma “capa protetora” em torno delas.
No Brasil, um local com grande incidência e estudo de casos de coprólitos é na Bacia do Araripe, nos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. Lá são encontrados coprólitos e fósseis de peixes da região, o que faz com que essas fezes sejam associadas e atribuídas aos peixes.
Figura 5: Coprólito achado em nódulo de calcário na Bacia do Araripe, Brasil.

Pois é, quem diria que o cocô teria tanta importância para as vidas futuras, ein? E não para por aí, se você pesquisar, vai encontrar uma imensidão de artigos e descobertas feitas com base nessas verdadeiras e inimagináveis jóias da natureza. Por falar em jóia, você sabia que esses fósseis são frequentemente usados como adornos? É só dar uma lapidada e tchanam!: você possui um belo e colorido colar. Você encararia usar um desses?
Figura 6: Ornamentos feitos de coprólitos diversos

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